quarta-feira, 9 de junho de 2010

Coluna "Opinião" do Jornal da Cidade de hoje, 09/06/2010, traz um texto de autoria do professor universitário, advogado, ex-delegado de Polícia de Bauru e Promotor de Justiça Aposentado ALFREDO ENEIAS GONÇALVES D' ABRIL discutindo o Toque de Recolher.

O autor se posiciona contrariamente à medida, considerando-a uma expressão do conformismo de uma sociedade que quase nada faz para combater efetivamente os problemas que assolam a juventude.


09/06/2010 - Opinião

Toque de recolher

Não há dúvida que o toque de recolher em estudo para sua eventual implantação nesta cidade, nos moldes estabelecidos em algumas comarcas, impede o exercício do direito individual do menor. Impor essa restrição contraria a Constituição da República, assim como regras escritas bem contundentes do Estatuto da Criança e do Adolescente. Também não se duvida que o Estatuto especificamente cuida dos menores infratores e dos menores não infratores desamparados pelos pais, com previsão para serem colocados nos abrigos de instituições do Estado ou particulares, ainda em família substituta, aguardando solução judicial de seus futuros.

É o toque de recolher uma restrição totalitarista repaginada para solucionar um acontecimento social novo. Tem basicamente por finalidade, a retirada de menores das vias públicas pelo policiamento ostensivo quando desacompanhados dos pais ou responsáveis se encontrarem vagando pelas ruas após determinado horário noturno. A justificativa dessa medida arbitrária e ultrapassada está na presunção de que os menores pilhados depois do horário de recolhimento, permanecem nas ruas articulando a prática de furtos ou entregando-se ao consumo de drogas. À míngua de previsão da lei proibindo esse tipo de comportamento do menor é de mediana conclusão que a prática do toque de recolher será uma investida caprichosa da polícia a pretexto de ver nesse quadro indícios ou mera suposição como prognóstico que um delito ou ato de vandalismo prestes a eclodir, situações anti-sociais que, antes de mais nada, colocarão em infringência à ordem legal a autoridade editora daquela providência e policiais que cumprirem a ordem.

O fato baseado em elementos realísticos, expostos com firmeza de propósito, e que por isso reclama solução a curto prazo, mobilizou grande público interessado no resultado de um encontro ocorrido no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil, desta cidade, no final do último mês, onde o debate dividiu as opiniões, contando com o subsídio de muitos argumentos. Todos eles serão sopesados para que a autoridade judiciária competente decida a tormentosa e polêmica questão.

A prática de delitos por menores e o consumo de drogas, verdadeiros flagelos urbanos transformados em ações rotineiras, teve por origem não muito remota o descaso do Estado no empenho ao combate do problema na sua gênese, ou mesmo depois de dilargado, evitando a incontrolável disseminação ao impedir que se tornasse um tormento para toda sociedade organizada. Quase nada se faz na tentativa de expungir esse mal e por tal comodismo é que a sociedade se viu colocada em estado de necessidade esforçando-se para ocupar o ranking da primeira de duas posições: 1.ª) proteger a própria pele de iminente perigo oferecido pelas gangs de menores badernando nas noites; 2.ª) condescender-se por fugir de seu alcance o salvamento dos menores do vício das drogas pela impossibilidade de fazer as vezes do Estado a fim de remover esse mal confiante no milagre da ressocialização.

A iniciativa popular e o interesse demonstrado pelas autoridades na procura de um caminho que reduza essa anomalia é de todo louvável, deixando como bom e cívico exemplo que um fato social grave e descuidado por quem deve administrá-lo e que tem como vítima as duas pontas do problema – sociedade organizada e menores – não poderá mais crescer sem enfrentamento. Inconformada com a omissão estatal a sociedade deseja aplicar o estímulo que tem para suprir esse descaso usando os meios de seu alcance. Se não há lei para resolver a questão da sociedade aflita, atemorizada, mas com piedade do triste destino reservado aos jovens desfavorecidos, afinal, parcelas de seu corpo social, qualquer iniciativa que venha suavizar esse tormento, ainda que seja sem a previsão legal, porém, com a boa intenção de tapar aquele buraco é bem-vinda.

A aglutinação da sociedade merece aplausos e o indispensável apoio da parte policial podem levar a normatividade da questão pela autoridade judiciária. Mas como o problema é polêmico, se implementado o toque de recolher, além de surgirem regras de direito de modo não ortodoxo, aparece um obstáculo de difícil execução: para onde serão encaminhados os jovens apreendidos supostamente planejando atos criminosos ou de vandalismo e os alimentários do vício? Não há lugar apropriado para o recolhimento deles o que faz mais difícil a viabilidade do assunto vingar-se pela deliberação popular.

O autor, Alfredo Enéias Gonçalves d’Abril, é professor universitário

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