FOLHA DE SÃO PAULO
São Paulo, quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
Menino levou 30 choques; 2 no coração
Carlos Rodrigues Júnior foi abordado por PMs por suspeita de roubo; segundo laudo, ele também levou choques na cabeça e no escroto
Um fio que poderia ter provocado os choques foi apreendido com um dos policiais militares presos suspeitos de cometer o crime
Aceituno Jr./Folha Imagem
TALITA BEDINELLIDA AGÊNCIA FOLHA, EM BAURU
BRUNO MESTRINELLICOLABORAÇÃO PARA A AGÊNCIA FOLHA, EM BAURU
O garoto Carlos Rodrigues Júnior, 15, morto após ser abordado por policiais militares em sua casa, por suspeita de roubar uma moto, recebeu 30 choques elétricos pelo corpo. Dois deles foram do lado esquerdo do peito e atingiram o coração do jovem, provocando uma parada cardiorrespiratória.
A informação é do laudo necroscópico divulgado ontem pelo IML (Instituto Médico Legal) de Bauru (SP), onde o adolescente morreu.
Um fio que poderia ter provocado os choques foi apreendido com um dos seis policiais presos após a morte do menino. Segundo o diretor do IML da cidade, Ivan Edson Rodrigues Segura, o material pode ser compatível com as lesões.
"Se você pega um fio e coloca em uma tomada, ele pode dar choque. As lesões podem ser provocadas por um fio", disse.Dez das marcas dos choques estão na cabeça -em áreas como pálpebras, orelhas e face. Quatro no tórax e duas no saco escrotal. As outras estavam em áreas como mãos, costas e pé.O jovem, segundo a polícia, não tinha histórico criminal.
"Houve duas lesões de corrente elétrica na região mamária esquerda. Essas duas correntes induziram a um trajeto pelo coração, levando a uma arritmia cardíaca e à morte.
"Segura não soube precisar se o garoto tinha alguma doença ou estava debilitado antes das agressões. Além dos 30 choques, o menino tinha seis marcas pelo corpo, que podem ter sido causadas por objetos ou por socos e pontapés.
PMs torturaram
O delegado seccional de Bauru, Doniseti José Pinezi, disse não ter dúvidas de que os PMs presos torturaram o garoto de 15 anos.
Foi instaurado inquérito na Polícia Civil para saber qual a participação de cada um deles no crime. Os policiais negam as acusações.
"Podemos afirmar categoricamente que houve tortura", afirmou. "O inquérito vai tramitar pela delegacia seccional de Bauru para apurar eventual delito de homicídio qualificado, abuso de autoridade e tortura seguida de morte.
"O roubo da moto que originou a ocorrência, bem como a origem dos 330 gramas de maconha encontradas na casa de Carlos Rodrigues Júnior, serão investigados pela Polícia Civil.
Segundo o delegado Pinezi, o dono da moto reconheceu o menino como sendo o ladrão. Esse reconhecimento foi feito, segundo a defesa dos PMs acusados, no velório do rapaz.
O advogado André Luiz Gonçalves Veloso, que acompanhou o depoimento da mãe e da irmã do menino na Polícia Civil, disse que ainda é cedo para saber se a família irá processar o Estado pela morte do garoto.
O tenente Roger Marcel Soares de Souza, o cabo Gerson Gonzaga da Silva, e os soldados Emerson Ferreira, Ricardo Ottaviani, Mauricio Augusto Delasta e Juliano Arcângelo, que participaram da operação que resultou na morte de Carlos Rodrigues Júnior, continuam presos em São Paulo.Após o crime, moradores chegaram a fazer um protesto no bairro. Eles queimaram pneus e quebraram orelhões.
PMs falavam que aquilo era normal, diz mãe
Elenice Rodrigues diz que ouviu os gemidos do filho ao ser interrogado pelos policiais; "eles perguntavam "cadê a arma, vagabundo?"
Ela lembra que o filho tinha deixado a escola na 4ª série, mas que tinha planos de voltar no ano que vem; "o que fizeram foi bárbaro", diz
TALITA BEDINELLIDA AGÊNCIA FOLHA, EM BAURU
A mãe do adolescente morto no sábado, Elenice Silveira Rodrigues, 49, diz que ouviu o filho gemer, dentro do quarto, enquanto era interrogado pelos policiais militares que entraram em sua casa. "Eles falavam que [o que estava acontecendo no quarto] era um procedimento normal da lei. Mas ouvia meu filho gemendo."
Ela afirma ter certeza de que o filho foi torturado. "O que eles fizeram foi muita brutalidade, foi bárbaro. Tenho certeza de que torturaram. Eu vi no velório, os dedos quebrados."
Com a voz pausada, ela descreve como foi a noite em que seis policiais entraram em sua casa e carregaram pela porta Carlos Rodrigues Júnior, o caçula de 15 anos, já desfalecido. "A gente estava dormindo. Por volta de umas 3h eles bateram na porta com muita violência e gritaria. Um ficou na sala com a gente e outros cinco foram para o quarto e fecharam a porta."
Ela diz não ser verdade a versão do advogado do tenente José Roberto Spoldari, de que apenas dois soldados permaneceram no quarto o tempo inteiro."Eles [os policiais] perguntavam: "cadê a arma, vagabundo, cadê o capacete?". Ouvi muitos barulhos de batidas e ele dizia: "não sei, senhor."
Na casa, vive ainda a filha Débora Rodrigues, 26, que olhou no relógio do celular no momento em que os policiais levaram o irmão para o hospital, às 4h11. Elas afirmam, ao contrário do que o advogado de defesa do tenente diz, que os policiais permaneceram por volta de uma hora no local.
Carlos, que deixou a escola na 4ª série, voltaria a estudar no ano que vem, diz a mãe. "Ele tinha dificuldade de aprender, ficou três anos na quarta série. E como ele era muito alto e magro acho que ficou com vergonha e não quis continuar."
Ela conta que, no início deste ano, se matriculou na escola com ele para estimulá-lo a continuar os estudos. Toda noite, os dois iam à escola juntos e depois faziam o dever de casa. "Ele estava indo bem", diz. Mas, como a mãe tinha que faltar para ajudar a filha, que trabalha com costura, ele desistiu.
"Se eu faltava, ele faltava também. Aí não consegui ir mais por conta do trabalho e parei", diz a mãe, apontando a máquina de costura no canto da sala. "Tinha convencido ele, a gente ia voltar no ano que vem e depois fazer o supletivo."
Ela diz que o filho nunca teve passagem pela polícia e que não tinha envolvimento com droga. Elenice ressalta que, junto com a filha mais velha, tinha feito uma faxina na casa na sexta-feira e olhado bem as coisas dele. "Não vimos nada. Se tinha droga aqui, não sabemos onde."
Elenice confirma que o filho levou para casa uma moto na noite de sexta-feira. "Por volta das 23h escutei um barulho de moto. Ele disse que a moto era de um colega dele e que eles iam sair para dar uma volta na avenida e depois ele pegava."
Ela diz que nunca teve medo de policial. "Achava que eles eram cumpridores do dever deles. Nunca vi policiais com maus olhos. Agora peguei medo", diz, olhando para as mãos.
"Só ouvi os gritos dele, mas não pude fazer nada", afirma irmã de adolescente
COLABORAÇÃO PARA A AGÊNCIA FOLHA, EM BAURU
A costureira Débora Rodrigues, 26, irmã de Carlos Rodrigues Júnior, diz que ouviu o adolescente gritar enquanto era torturado por policiais no quarto de sua casa. Ela e sua mãe, Elenice Silveira Rodrigues, 53, estavam na casa, no núcleo habitacional Mary Dota, durante a abordagem policial, no último sábado. As duas depuseram ontem na Delegacia Seccional de Bauru. A mãe do garoto foi orientada pelo advogado da família a não falar com a imprensa. A seguir, trechos da entrevista:
FOLHA - Como começou a história?
DÉBORA RODRIGUES - Eles [policiais] invadiram a casa, sem mandado, mandando a gente abrir a porta e colocar a mão na cabeça. Não deu tempo de nada. Entraram cinco [PMs] dentro do quarto e fecharam a porta. Só ouvi os gritos dele, mas não pude fazer nada.
FOLHA - A sra. viu algo dentro do quarto?
DÉBORA - Teve um momento em que eles abriram a porta e eu vi meu irmão já caído no chão. Pela imagem que eu tenho gravada na cabeça ele já estava inconsciente.
FOLHA - E quando eles saíram do quarto, o que falaram?
DÉBORA - Não falaram nada, só ouvi um policial dizendo que tinha que levar meu irmão para o pronto-socorro.
FOLHA - Eles ficaram quanto tempo com seu irmão?
DÉBORA - Mais ou menos uma hora.
FOLHA - A sra. já imaginava o resultado do laudo?
DÉBORA - A gente já imaginava, pelo que vimos no corpo dele. Mas é uma coisa lamentável. A gente pede justiça. A família está indignada. Minha mãe não come, não dorme. Minha mãe está em estado de choque. Ela está completamente atordoada, no psiquiatra, com calmante. A gente quer justiça e punição, para mostrar que a nossa lei é válida para todos.
FOLHA - Como era o seu irmão?
DÉBORA - Um garoto de 15 anos que tinha um mundo pela frente e simplesmente foi brutalmente assassinado. Ele era um garoto alegre, um garoto que estava ali todos os dias sorrindo e brincando. Ele trabalhava com a gente na minha oficina de costura desde que meu pai morreu.
.
.
.
terça-feira, 15 de abril de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário